Instituto de Oftalmologia de Assis | 3 de setembro de 2015

O que são lentes intraoculares fácicas

As dificuldades do passado e as perspectivas do futuro

Rotina não é uma palavra comum para quem se especializou em cirurgia refrativa. A cada dia incorporamos novos conceitos e observamos tendências que eventualmente serão incluídas na nossa semiologia ou nas nossas opções terapêuticas. Eventualmente, vivenciamos técnicas que parecem definitivas e que, com a difusão de seu uso, mostram-se pouco previsíveis ou mesmo iatrogênicas.

Há cerca de 20 anos a cirurgia refrativa é dominada pelo excimer laser, por ser uma tecnologia que permite atender com grande eficiência às necessidades da maior parte dos pacientes portadores de ametropias. No momento, pelo menos aparentemente, essa modalidade terapêutica não parece ter seu domínio ameaçado.

Assim, quando discutimos o capítulo de lentes fácicas, associamos tal procedimento ao tratamento das altas ametropias, condição na qual o excimer laser apresenta resultados não tão satisfatórios. De certa forma, o laser pode ser contraindicado em pacientes com córneas normais em que o excesso de tecido removido produzirá respostas topográficas imprevisíveis.

O desenvolvimento e a fabricação de lentes fácicas são impulsionados pelo conhecimento adquirido com lentes pseudofácicas. Desenhos e materiais podem ser avaliados largamente, pois a demanda pela correção da afacia é muito grande, o que torna viáveis a pesquisa e o desenvolvimento das lentes fácicas.

Vivenciamos nas últimas duas décadas, paralelamente ao sucesso do excimer laser, uma sucessão de modelos de lentes para a correção de ametropias em fácicos. A cada desenho vislumbramos a expectativa do tratamento definitivo para as altas ametropias, ou seja, que produza boa visão sem afetar anatômica e fisiologicamente as estruturas intraoculares.

A contribuição européia

A revisão histórica sobre o tema lentes intraoculares só é completa e justa se reconhecermos os trabalhos de Tadini, no século 18, de Ridley, na primeira metade do século 20, e posteriormente Arruga, Barraquer e Panfique. Na câmara anterior, devemos relembrar Baron, que idealizou uma lente flotante na câmara anterior, e a seguir Strampelli, que sugeriu apoiar a lente no ângulo da câmara anterior.

Desde cedo, nota-se a tendência em produzir lentes para câmara anterior com dois tipos de suporte, no ângulo ou na íris. Na segunda metade do século 20, os pesquisadores europeus trabalharam com clips de íris, como Binkhorst, método posteriormente aperfeiçoado por Jan Worst, cujo produto é largamente utilizado hoje. Paralelamente, as lentes com apoio angular, aperfeiçoadas por Kelman (duas alças e quatro apoios) e que inspiraram os modelos ZB5M e NuVita de Baikoff e Pearce (tripoidal), podem ter inspirado o modelo Vivarte, também de Baikoff.

Lentes fácicas também podem ser posicionadas na câmara posterior. No início dos anos 80, em Moscou (Rússia), Fyodorov e Zuev produziram e aperfeiçoaram lentes de silicone, que posteriormente foram comercializadas pela Staar Surgical. É interessante observar o material utilizado na fabricação dessas lentes que substituiu o silicone, um copolímero de colágeno, bastante biocompatível, elástico e flexível. Algumas modificações de design foram produzidas para reduzir a incidência de catarata no pós-operatório, o que as torna bastante utilizadas nos Estados Unidos e em alguns países da América Latina.
Estudar lentes intraoculares significa reconhecer a importância do desenho, a qualidade do material de fabricação, o acabamento industrial, os recursos propedêuticos para a sua seleção e a de pacientes, e a facilidade no implante. Se todos esses fatores estiverem contemplados, nossos pacientes irão apresentar ótima visão e ausência de complicações intraoculares.

Assim como não se fala mais na síndrome uveíte-glaucoma-hifema, novos problemas surgiram a cada modelo. As lentes de Baikoff não são mais comercializadas. Os pacientes implantados com essa lente requerem monitoramento constante, e a cada dia o número de explantes aumenta. No entanto, a partir dos esforços desse cirurgião francês, produzimos e adquirimos muito conhecimento. Da experiência com os desenhos de Baikoff, reconhecemos que lentes de fixação angular requerem flexibilidade no seu dimensionamento (portanto, as alças não podem ser rígidas), cuidados no acabamento de bordas (zonas ópticas precisam ser amplas). Além disso, elas têm de ser inertes dentro do olho (ausência de inflamações mesmo subclínicas) e o material tem de ter alto índice de refração (mesmo efeito óptico com menor espessura).

Alguns dos problemas enfrentados naquela época poderiam ter sido evitados se contássemos com os métodos de imagem disponíveis atualmente, que permitem avaliar as relações anatômicas da lente com o olho hospedeiro, o distanciamento dela em relação ao cristalino e também ao endotélio. O próprio planejamento do dimensionamento ideal do implante, para que este se apoiasse adequadamente nos ângulos, era muito difícil. Hoje temos softwares que ajudam a observar hipoteticamente como determinada lente ficará dentro do olho, considerando-se a avaliação tomográfica do segmento anterior do olho e o tipo e dioptria do implante escolhido. Obviamente, trata-se de avaliação hipotética, pois a localização exata do implante só será avaliada após a sua colocação. Alguns dos estudos originais alertaram para a importância desse posicionamento e para a possibilidade de ser menor o distanciamento entre as lentes e o endotélio, utilizando técnicas de ultrassom.

Nas fotografias com a técnica de Scheimpflug observamos alguns modelos de Baikoff, plano-côncavos ou mesmo bicôncavos, com a demonstração de potenciais problemas como depósitos na face posterior da lente, descentralização do implante em relação à pupila e difração da luz nas bordas.

Intrigante, nos estudos de Baikoff o modelo NuVita foi produzido com material mais flexível, com um perfil de convexidade contínua entre a parte óptica e as alças, diminuindo a pressão sobre a região de apoio das alças. Assim, as alças ficariam mais distantes da íris, porém a parte óptica manteria seu posicionamento em relação ao endotélio. Em um levantamento recente, 12 anos após o implante de lentes com alça em Z de Baikoff, a perda endotelial atingiu cerca de 25%. No modelo NuVita, já aos 12 meses de pós-operatório, a perda foi de 12%.

O modelo de Jan Worst

Como mencionado anteriormente, as lentes de Worst (Artisan e Artiflex) são desenhadas para fixação iriana. Seu idealizador aprimorou o desenho inicial de Binkorst, iniciando com o implante para a correção de olhos afácicos e, posteriormente, como opção em olhos fácicos. Desde o modelo original essa lente se modificou bastante, e apenas 25 anos após seus primeiros implantes o desenho em garra foi incorporado ao modelo. Isso data de 1986, com formato biconvexo. Em 1995, já com desenho convexo-côncavo, começou a ser produzida também para a hipermetropia. A parte côncava é naturalmente voltada para o cristalino.

Esse modelo é baseado no conceito de que a íris é o local ideal para a fixação. Claro que o local da íris em que a lente será posicionada representará o sucesso do implante. Quanto mais próximo da borda pupilar, maiores os riscos de atrofia do esfíncter e sangramentos. Existem vários estudos na literatura que atestam sua segurança. Mais recentemente, está sendo comercializado um modelo flexível que permite o implante em incisões menores. No modelo flexível, a anatomia da íris deve ser avaliada antes do implante, já que perfis exageradamente curvos devem ser evitados.

Essas lentes podem ser tóricas. Nesse caso, o resultado é satisfatório, porém inferior ao das lentes esféricas, considerando-se que o posicionamento exato é difícil e esses implantes descentram-se lentamente, tanto pelo peso quanto pela atrofia progressiva da íris. Sob o ponto de vista refrativo, em casos em que o astigmatismo requer correção posterior, pode-se associar técnicas a laser de superfície ou mesmo confeccionar o flap corneano antes do procedimento e posterior ablação corneana para correção do grau residual.

No estado atual da tecnologia, quando lentes intraoculares são implantadas nos olhos, é praticamente certo observar previsibilidade refracional e ganho de visão em míopes. Nos altos hipermétropes pode haver discreta redução da acuidade visual melhor corrigida.

A perda endotelial nessas lentes é controversa. Claro que a técnica cirúrgica influencia imensamente nos resultados e esse é, sem dúvida, o aspecto frágil dessa tecnologia. Como dissemos anteriormente, é desejável que um procedimento cirúrgico refrativo seja acompanhado de curva de aprendizado breve.

No modelo flexível, é importante ressaltar as vantagens de uma incisão menor. Ainda mais imprescindível é realizar a remoção completa do viscoelástico, pois temos observado casos de hipertensão pós-operatória que causaram midríase paralítica irreversível. É interessante observar que o diâmetro pupilar pode reduzir após o implante. Se por um lado esse aspecto diminui os riscos de fenômenos ópticos desconfortáveis no pós-operatório, por outro a necessidade eventual de uma cirurgia vitreorretiniana pode trazer problemas intraoperatórios.

Uma nova opção terapêutica

O produto que será lançado este ano no mercado brasileiro é a lente Acrysof Cachet. Por ser de suporte angular, como discutido previamente, essa lente foi produzida com os desafios de produzir mínima força sobre as estruturas intraoculares, ser estável mesmo sem poder exercer pressão sobre os tecidos, apresentar mínimo deslocamento quando pressionada e ser de fácil implante através de incisão pequena.

Pensar em todos esses requisitos nos faz recordar o que aprendemos com os modelos de Baikoff. O material da lente é o mesmo da Acrysof para afacia. Sua maleabilidade deve permitir implantes nos quais o dimensionamento é crítico, mas talvez nem tanto.

Os resultados até o momento são realmente animadores. Pela curva de aprendizado curta, a perda endotelial aguda nesses estudos clínicos iniciais foi bastante pequena. Obviamente, o resultado clínico refracional é tão bom como estamos acostumados a obter com os modelos já disponíveis. No Chile, essa lente está sendo implantada desde o ano passado. Na opinião dos cirurgiões locais, os resultados preliminares reproduzem o que foi obtido nos estudos americano, europeu e canadense.

As inquietudes que persistem

Alguns pontos ainda são intrigantes. A perturbação no fluxo do humor aquoso produzido pela presença de lentes dentro do olho fácico e, geralmente jovem, requer avaliação. Alguns estudos de Kaufman, em Wisconsin, sugerem que a dificuldade ou demora na drenagem do humor aquoso pode antecipar o aparecimento da presbiopia ou mesmo da catarata. Em pacientes adultos, vislumbra-se a possibilidade de facilitarmos a drenagem do humor aquoso para adiar o aparecimento dessas doenças. Ainda, nos indivíduos jovens, com grande acomodação, ou mesmo em situações fotópticas em que ocorre miose, o cristalino move-se em direção à câmara anterior cujas implicações requerem estudos cujos dados podem ser dependentes da presença dessas lentes.

A entrada da lente Cachet no Brasil enriquecerá as possibilidades de realizar implantes em pacientes fácicos. Se por um lado a lente Artiflex representa décadas de evolução, a Cachet tornará a técnica realmente mais acessível. Claro que, em ambos os casos, os fabricantes trazem suas expertises no desenvolvimento de produtos de alta qualidade.

Os cursos de capacitação para essas técnicas, disponibilizados pelas indústrias, devem ser feitos com seriedade pelos cirurgiões interessados em avaliar e, eventualmente, adotar tais tecnologias em suas práticas, pois são idealizados com o objetivo de transmitir conhecimento necessário para a obtenção dos melhores resultados. Em lentes fácicas, esse detalhe faz a diferença. Essa rotina de inovações tecnológicas torna a cirurgia refrativa uma subespecialidade atraente que exige competência. Novas opções terapêuticas e semiológicas devem ser avaliadas tecnicamente. As emoções, estas deixamos para quando discutimos futebol ou política.

Fonte: www.universovisual.com.br

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